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Governo Lula beneficia parentes de políticos com doação de máquinas

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A estatal federal Codevasf tem privilegiado associações ligadas a parentes de políticos com entrega de veículos e maquinário agrícola nos primeiros meses do governo do presidente Lula (PT).

Entre os equipamentos está uma sonda perfuratriz avaliada em mais de R$ 2 milhões. A compra das máquinas ocorre por meio de recursos das chamadas emendas parlamentares. O deputado ou senador indica a entidade privada a ser beneficiada, e a Codevasf cuida da compra e da entrega do equipamento.

A Codevasf foi criada para cuidar de projetos de irrigação no semiárido, mas o governo Jair Bolsonaro (PL) a transformou em uma espécie de “loja de políticos”, pela qual congressistas usam emendas para encomendar máquinas e obras de pavimentação e as direcionam para seus redutos eleitorais.

O modelo segue o mesmo sob Lula, com o diferencial de que há maior proporção de doações a entidades privadas e menor a prefeituras, aumentando assim o risco de irregularidades.

Em Minas Gerais, por exemplo, o Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento e Fomento das Bacias do Rio Jequitinhonha, Rio Pardo, Rio Mucuri e Adjacências recebeu a doação mais cara feita pela Codevasf no primeiro trimestre de 2023.

Trata-se de uma sonda perfuratriz acoplada a um caminhão, que serve para perfurar poços artesianos, no valor de R$ 2,4 milhões.

O padrinho político do equipamento doado ao consórcio de municípios foi o deputado federal Igor Timo (Podemos-MG). Quem recebeu a doação foi o seu tio e prefeito de Virgem da Lapa, Diógenes Timo Silva (Podemos-MG).

Na entrega do equipamento, em 23 de janeiro, o tio também ocupava o cargo de presidente do consórcio contemplado. Em vídeos publicados em suas redes sociais, o deputado afirma que foi o responsável por destinar a perfuratriz junto ao ex-senador e agora ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

“Essa aquisição é mais uma conquista do nosso mandato em trabalho conjunto com o senador Alexandre Silveira, para mitigar um problema crônico da região, a seca que há anos vem castigando nosso povo para ter acesso à água potável”, escreveu o deputado.

Nas redes sociais, o deputado Igor Timo fez ainda um elogio à gestão do seu tio por estar “fazendo um trabalho brilhante na gestão municipal”.

O gabinete do prefeito de Virgem da Lapa afirmou à Folha que Timo não é mais presidente do consórcio desde maio e que a cidade também não é mais consorciada.

Já o deputado Igor Timo afirmou, em nota, que consórcios se tornaram ferramenta importante por levarem dignidade às comunidades. “O fato de um membro em questão integrar o consórcio foi uma coincidência, pois o mesmo já exercia o pleito municipal dois anos antes de o parlamentar ter pretensões políticas.”

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Entidades beneficiadas são próximas a líderes do centrão.

Em Santaluz, município de 37 mil habitantes do sertão baiano, por exemplo, a Codevasf doou um caminhão para a Associação de Moradores da Fazenda Lagoa Nova por meio de emenda do deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil), padrinho político do presidente da estatal.

A associação é presidida por Keise Suzart, filha do vereador Mário Sérgio Suzart, atual presidente da Câmara Municipal de Santaluz e um dos principais aliados de Elmar na cidade.

Keise afirmou que o caminhão “está sendo bem utilizado” no transporte de equipamentos agrícolas e caixas-d’água para as comunidades rurais da região.

Ela afirma que a doação do equipamento não teve intermediação do pai e diz não ver conflitos.

“Desde nova me preocupo com o povo, acredito no associativismo e no cooperativismo. Não vejo conflito em receber benefício para ajudar as pessoas. […] Meu pai é um político correto e que dedica seu mandato para ajudar as comunidades.”

As máquinas e veículos entregues acabam pesando no jogo político local, seja beneficiando grupos ligados à situação ou à oposição nas cidades.

Na Bahia, a Colônia de Pescadores e Aquicultores Z-15, em Valença, ganhou uma retroescavadeira. Em sua sede, as paredes são ornadas com fotografias do deputado federal Raimundo Costa (Podemos-BA), autor da emenda responsável pela doação.

Ele tem uma relação de simbiose com a colônia: foi presidente da entidade, cargo que o alçou a uma cadeira na Câmara Municipal de Valença em 1988. Foi reeleito por cinco mandatos consecutivos com o apoio dos pescadores até chegar a deputado federal em 2018.

A colônia é atualmente comandada por Maria das Graças Santos, aliada de Costa que esteve na sede da Codevasf em Juazeiro para buscar a retroescavadeira e publicou um vídeo agradecendo ao deputado pela emenda.

A entidade também possui forte influência do vereador Ryan Costa, filho de Raimundo. Ele não tem cargo formal na colônia, mas diz que atua como gestor de projetos e é o responsável pela gestão das máquinas doadas pela Codevasf, que incluem um caminhão-caçamba.

Ryan nega uso político das máquinas, embora, na prática, elas fortaleçam a oposição na cidade.

O vereador critica a gestão do prefeito Jairo Baptista (PP), diz que há inoperância da prefeitura na execução de projetos de pesca e que a colônia tem suprido essa lacuna. “Não é disputa política, é uma disputa de fazer política pública.”

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Em Pernambuco, na cidade de Brejão, a máquina acabou nas mãos de pessoas próximas ao grupo político no poder. Ali, a Associação de Agropecuaristas de Sítio Mamoeiro recebeu da Codevasf uma caminhonete Mitsubishi L200 avaliada em R$ 235 mil.

A entidade é presidida por João Marcone Florentino de Barros, irmão do vice-prefeito de Brejão (PE), Saulo Florentino de Barros (MDB).

À Folha João Marcone afirmou que o veículo é usado em tratativas da associação. Ele diz que não houve intermediação do irmão no pedido, mas que ele e associados o fizeram diretamente ao deputado federal Fernando Rodolfo (PL).

O deputado afirmou que a entidade presta serviços relevantes e que a doação segue preceitos legais.

“Não vejo, portanto, conflito de interesses, afinal as emendas parlamentares são recursos garantidos aos deputados e senadores para destinarem aos seus estados, com livre escolha, atendido o interesse público”, afirmou, em nota.

Criada há cerca de dois anos, a entidade Unidade Beneficente e Agropastoril dos Agricultores da Fazenda Lagoa do Barro, em Santa Maria da Boa Vista (PE), é formalmente presidida pela mãe do vereador Gildo Gás (PSB), e recebeu uma retroescavadeira em fevereiro.

A máquina foi financiada com emenda do deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE), aliado do vereador.

Procurado, Gildo Gás disse que sua mãe já deixou a direção da entidade e negou que a entrega da máquina tenha configurado um favorecimento a parente. Segundo o vereador, o equipamento está sendo usado conforme o interesse social das comunidades.

O deputado Augusto Coutinho afirmou que não sabia que a entidade era presidida pela mãe de seu aliado e que destinou a emenda para atender às necessidades da população de Santa Maria da Boa Vista.

OUTRO LADO

Empresa diz que doações são feitas após análise técnica

A Codevasf afirmou que as doações “servem ao interesse social” e são precedidas por análises de adequação técnica, conformidade legal e conveniência socioeconômica.

A estatal afirmou que as doações são feitas a pessoas jurídicas e não a seus membros. “Os requisitos formais exigidos para a doação dizem respeito à personalidade jurídica das associações beneficiadas. Assim, o fato de que seus representantes ou membros eventualmente possuam filiação partidária ou integrem sociedade empresarial não caracteriza impedimento legal à doação de bens às associações”, diz a empresa.

A companhia ainda afirma fazer análise dos resultados alcançados e “não mede esforços para assegurar o emprego adequado dos bens”.

A reportagem foi produzida em parceria com o Google a partir de coleções de documentos publicadas na ferramenta Pinpoint, acesse aqui.

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PlatôBR: Motta e o governo dependem de boa relação em outros temas

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Mesmo com as divergências em torno do projeto contra as facções, que deve ser votado nesta terça-feira no plenário, o Planalto e o presidente da Câmara têm interesses que os aproximam na política nacional e estadual

Valter Campanato/Agência Brasil

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Apesar dos recentes abalos de confiança, o entendimento no Palácio do Planalto é que será preciso manter a boa relação com o presidente da Câmara, Hugo Motta(Republicanos-PB), até o ano que vem. A cautela tem razões pragmáticas: o governo depende da aprovação pelo Congresso de projetos que aumentam a arrecadação de 2026.

A divergência mais recente foi provocada pela decisão de Motta de escolher o deputado Guilherme Derrite (PP-SP) para relatar o PL Antifacção, proposto originalmente pelo Planalto. Ao entregar o texto a um parlamentar da oposição, Motta tirou das mãos do governo uma das principais propostas para o combate à criminalidade, tema sensível para as eleições de 2026.

Aliado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), Derrite ocupava até duas semanas atrás o cargo secretário de Segurança Pública do estado e deixou o posto para assumir a relatoria do projeto. Provável candidato à Presidência da República no ano que vem, Tarcísio desponta como um dos nomes mais fortes para enfrentar Lula. O gesto de Motta tirou o protagonismo do petista nessa proposta.

Motta pretende colocar o PL Antifacção em votação nesta terça-feira, 18. O governo trabalha para adiar a decisão da Câmara sobre o projeto, mas para isso depende do presidente da Câmara. Um último esforço para tentar evitar que o texto seja levado ao plenário será feito nesta manhã pelos ministros Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), que terão reunião com Motta para tentar evitar uma derrota nessa votação. O Planalto trabalha contra a tentativa de Derrite de tirar verbas da Polícia Federal e, também, quer impedir aprovação da proposta que equipara facções criminosas a organizações terroristas.

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Fora da discussão da segurança pública, pelo menos três matérias com impacto na arrecadação dependerão de Motta para que sejam apreciadas até o fim do ano. Uma delas é o projeto de lei 5.473/2025, sobre aumento de tributação de bets, bancos e fintechs. Essa proposta também tem previsão para ser votada nesta terça-feira, 18, na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, onde tramita em caráter terminativo. Se aprovada nessa fase, vai direto para a Câmara.

Outra proposta de interesse do Planalto em tramitação na Câmara é projeto de lei complementar nº 182/25, que prevê o corte linear de 10% de benefícios fiscais para setores da economia. Este projeto está sob análise da CFT (Comissão de Finanças e Tributação) e teve a votação adiada na semana passada por um pedido de vista.

A terceira proposta que impacta o orçamento e que deixa o governo dependente de Motta é o PLP 125/22, conhecido como projeto dos “devedores contumazes”. Além de fazer parte do pacote de enfrentamento ao crime organizado, essa proposta também contribui para a arrecadação do governo. De autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o texto já foi aprovado pelo Senado. Sobre essa proposta, Gleisi pediu a Motta que a tramitação não seja atrapalhada pelas discussões acirradas em torno do PL Antifacção.

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Por outro lado

O presidente da Câmara também tem interesse em não romper com o governo, embora seja aliado da oposição em assuntos que contrariam o Planalto, caso do aumento das alíquotas do IOF, que foi derrubado pela Câmara. Na política estadual, Motta quer o apoio explícito de Lula para a candidatura ao Senado de seu pai, Nabor Wanderley, atual prefeito de Patos (PB).

Motta também trabalha para renovar o mandato de deputado e, se possível, se reeleger presidente da Câmara em 2027. Para concretizar esses planos, ele precisa se equilibrar entre o governo e a oposição para tentar repetir o amplo leque de alianças que o levou ao cargo no ano passado. Com esse objetivo, ele por vezes agrada à oposição e contraria o governo, ou vice-versa.

Outros fatores aproximam Motta do Planalto. Após a devassa feita na Esplanada contra os infiéis do União Brasil e do PP, o governo deu a Motta a oportunidade de fazer indicações para cargos no segundo e no terceiro escalão, incluindo ministérios, autarquias e estatais. A indicação de Derrite, segundo interlocutores do Planalto, acabou suspendendo esse movimento. Vem daí a surpresa do Planalto, pois o presidente da Câmara chegou a participar de reuniões com o governo para definir a recomposição dos cargos com as bancadas de deputados.

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